quinta-feira, 24 de julho de 2008

O grito dos inocentes

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Estamos publicando e-mail enviado, publicamente, por um juiz aos seus colegas da magistratura. Não opinaremos, a conclusão será do leitor :


"Caros colegas.


Sou o Juiz citado no episódio da CPI do sistema carcerário, em Campo Grande-MS, juntamente com o colega Francisco Gerardo de Souza.


Para que tenham uma idéia, o Dr. Francisco é magistrado há mais de trinta anos e tem mais de vinte apenas na execução penal. É tido, aqui no Estado como, sendo o maior, um dos maiores corações que se viu. É querido por todos, até pelos presos, pela dedicação e deslevo no cuidado do encarcerado.


Fazemos inspeções periódicas e reclamamos, oficiamos e intimamos Diretor da Agepen (que pelo Decreto Estadual é o responsável pela administração carcerária), Secretário de Segurança e Justiça, Governador e até Ministro da Justiça, sem falar do Depen.


Somente no ano de 2007, dado a atividade dos juízes e reclamos constantes foi providenciado novo presídio semi-aberto feminino, passando de 12 para 160 vagas.


Quando da visita da CPI em Campo Grande, a Colônia Penal Agrícola passava já por reformas (agora terminadas) que elevou sua capacidade de 120 para 750.


Está em andamento, após inúmeras cobranças do judiciário, a ampliação da Casa do albergado de um para duas ou três unidades.


A execução penal criou uma central de cálculos visando atender a reclamação dos usuários pelo atraso. Criou uma central chamada de CEPA para penas alternativas, criou uma central chamada CAS (para acompanhamento dos sentenciados, seu cadastramento e apresentação para os presos) isto em cerca de dois anos.


Apesar disso, sem se importar pelas centenas de documentos apresentados, a tal CPI tentou indiciar tanto a mim quanto ao Dr. Francisco Gerardo (e não tivemos qualquer apoio da AMB no caso).


Tenho dito que por não conseguir conviver com a degradação ou as desventuras do próximo, normalmente o juiz assume funções que não lhe compete. Todavia, devemos fazer a sociedade entender que não somos carcereiros, não somos Diretor de Presídio, não somos policiais, não somos secretário de segurança ou justiça, não somos governadores, NÃO SOMOS DO EXECUTIVO. Somos Juízes.


Cheguei, consternado, a ouvir do relator da CPI que eu quedei-me omisso porque deveria prender o Governador. O ignorante não sabe que o foro de competência para processar governador não é do Juiz das Execuções.


O mais importante, todavia, e fiz a narrativa para que, os que não nos conhecem não terem idéias erradas, é alertar aos colegas um fato importante.


Diz o art. 33, parágrafo único da LOMAN que são prerrogativas do magistrado: "quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação".


Esta é uma importantíssima ferramenta de independência da magistratura.


Atente-se que se não fosse assim, qualquer colega que tomasse qualquer decisão que desagradasse qualquer político ficaria à mercê de uma CPI no Estado ou até no Município que decidisse indiciá-lo.


Se o STF não tivesse concedido a liminar em HC impetrado por mim e pelo colega (sem auxílio da AMB), atentem-se para o grave e enorme precedente que seria criado.


Entendo que o colega que está laborando diuturnamente tem pouco ou nenhum tempo para questões outras que não sejam trabalho e buscar a solução de seus processos.


Faço, no entanto, um alerta: temos a ingenuidade de acreditar que as instituições funcionam como deveriam, e isso não é verdade. Também não adianta fazer as coisas sem guardar farta documentação (principalmente em sede de execução penal). Isto porque cuidamos de processos. O juiz quando inspeciona presídios preocupa-se com as questões jurídicas (se tem preso custodiado sem mandado, se os provisórios estão separados dos presos definitivos, se não há presos com penas extintas, etc.) e se limita, via de regra, a remeter ofícios aos órgãos competentes pedindo solução imediata para as demais (questões de alimentação, lotação, etc).


A sugestão que dou é a criação, em cada Tribunal de um órgão administrativo que atue nas questões administrativas fazendo a ponte de ligação entre o magistrado lá do interior (os colegas de carreira sabem o que quero dizer) e o Exmo. Sr. Governador, ou até o Sr. Secretário, corporifique isto em documentos e faça a competente divulgação imparcial dos fatos.


Perdoem-me o desabafo, e minha indignação.


Vitor Guibo - JUIZ DE DIREITO"


NOTA DA ANAMAGES: Aos Colegas injustamente "indiciados" pela CPI externamos nossa solidariedade e, a mais, registramos que qualquer afronta aos direitos e prerrogativas dos magistrados estaduais nossa associação não medirá esforços para a defesa, sempre que solicitada.