sábado, 26 de julho de 2008

Nota da ANAMAGES sobre lista negra de candidatos às eleições




Eleições democráticas: candidatos limpos e juízes imparciais



A Diretoria da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), entidade que congrega juízes e desembargadores de todos os estados da federação, inclusive os que atuam na Justiça Eleitoral, vem a público manifestar sua discordância com relação à indevida ingerência da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em temas estranhos à sua finalidade estatutária, atuação que, no mínimo, se revela incompatível com a função jurisdicional exercida pelos seus associados.



A imoralidade administrativa e a ausência de pronta repressão aos saques contra o erário público, afora outras chagas do estado brasileiro, conduziram à descrença popular nas instituições democráticas. Essa absoluta incredulidade, por sua vez, constitui o terreno fértil onde vicejam as inoportunas e indevidas declarações das mais altas autoridades do país, do jogo de cena, do "estado policialesco", enfim, do desrespeito às mais elementares garantias constitucionais, entre as quais sobressaem-se a presunção de inocência e o devido processo legal.



Nada justifica que respeitáveis corporações adiram à sanha da turba que clama por linchamento em praça pública, em vez de combater o bom combate, de pugnar pela imediata, porém responsável, apuração de delitos e punição dos culpados. A abominável prática, no máximo, pode ser explicada quando adotada por autoridade que no exercício de suas funções não goza do mínimo de garantia e, por isso, um simples descontentamento do Rei com esta ou aquela atuação pode significar seu degredo.



No que respeita ao juiz, utilizando a expressão do Ministro Gilmar Mendes, afirmamos: nada justifica a espetacularização do processo eleitoral. Aliás, o juiz, cônscio das garantias constitucional que lhe foram outorgadas na Constituição da República, não admite que o fórum e seus gabinetes se transformem em estúdios das grandes emissoras de televisão. Afinal, exatamente para mantê-lo completamente afastado de ingerências que possam comprometer a imparcialidade das decisões, ao juiz se confere as garantias da vitaliciedade e da inamovibilidade. Não é por outra razão que ao juiz se proíbe o exercício da advocacia, a candidatura a cargos públicos, o exercício da mercancia e até a sindicância de prédios. Contraditório, pois, que a ele, ainda que por meio de suas entidades de classe, se permitisse ir às ruas, atrair os holofotes da mídia, para fins de mobilização popular.



O juiz não convoca a rede de televisão quando autoriza a polícia a escutar os telefonemas do suspeito, quando decreta a prisão do condenado ou quando, com base no ordenamento jurídico, decide indeferir o registro da candidatura deste ou daquele candidato. Não se trata, a toda evidência, de silêncio covarde de quem se compraz com condutas imorais, com os crimes de lesa-pátria. Ocorre que a convocação da mídia não se insere entre as formas escolhidas pelo legislador para dar publicidade aos atos judiciais. A lei processual, que norteia o agir do juiz, estabelece tão-somente a publicação no diário oficial. O ato judicial é público, assim qualquer um do povo pode ter acesso à decisão do judicial. Para ampla divulgação do que restou decidido, não esqueçamos nós, a imprensa ainda é livre neste país.



Proferida a decisão, o juiz determina a publicação no órgão para tanto destinado. Não leva o caso à televisão e não autoriza que alguém, em seu nome, assim proceda.



A AMB, por força de seu próprio estatuto, pode postular em nome de todos os magistrados. Tal postulação, entretanto, tem seus limites determinados pela preservação das garantias inerentes à função jurisdicional, as quais, em última análise, só se justificam em nome da imparcialidade das decisões.



O juiz não é insensível à absoluta falta de controle no que tange ao registro de candidatos. Qualquer cidadão, por uma simples anotação em seu prontuário, é impedido de exercer a função de gari, de varrer as ruas da cidade; o postulante de um emprego em instituição financeira não pode assumir o cargo se o seu nome figurar nos cadastros restritivos de crédito; notório é o caso do bacharel que aprovado no concurso para juiz, foi impedido de assumir o cargo, porquanto acusado de ter discutido e desacatado o guarda da esquina; entretanto, nada impede que o candidato a presidente da República registre a sua candidatura, ainda que contra ele tenham sido instauradas dezenas de ações penais por "roubar" o dinheiro do povo. São muitos pesos e muitas medidas.



O juiz, no controle difuso das leis, pode até afastar a aplicação deste ou daquele dispositivo e, com base nesse juízo, indeferir a candidatura de determinado candidato. Além da valoração dos fatos, a escolha da norma aplicável integra o seu ofício de julgar.



A ANAMAGES, juntamente com outras entidades de classes, não tem medido esforço no sentido de mudar a lei. Enquanto não muda a lei, é de se esperar que o juiz, entre as várias interpretações possíveis, escolha aquela que mais se coaduna com as garantias constitucionais, sobretudo as que se referem à moralidade, ao devido processo legal, à intimidade e à honra.



O comprometimento da isenção e o desrespeito às garantias constitucionais não se insere no ideário da serena e honrada magistratura brasileira, daí a indignação dos magistrados, sobretudo juízes estaduais que compõem a justiça eleitoral, os quais, em momento algum, autorizou a AMB a dar início à citada campanha midiática.



A atuação da AMB torna-se ainda mais comprometedora para a isenção que se espera dos órgãos jurisdicionais, quando em seu site, sob o título "Eleições Limpas", anuncia uma suposta parceria com o TSE, com a finalidade de divulgar os nomes dos candidatos a cargos eletivos nas próximas eleições que respondem a processos na justiça, e, portanto, munir o eleitor de dados sobre os candidatos e facilitar o acesso da imprensa a tais dados (conf. consulta feita em 25/07/2008).



A prevalecer a veracidade da informação contida no referido site, por via reflexa, estaria o TSE declarando a absoluta descrença no publicação no diário oficial (forma prevista no Código Eleitoral) como meio de dar publicidade às decisões da justiça eleitoral. Mais grave ainda: estaria esse órgão de cúpula da justiça eleitoral publicamente assumindo a condição de assessor da imprensa, o que, a um só tempo é inadmissível e desnecessário, uma vez que entre essa nefasta assessoria não figura no rol de competência do TSE e a imprensa, até pela sua magnitude, dela não necessita.



Ressalte-se que a uma associação de magistrados, ainda que se trate de entidade civil, não assiste o direito de fazer mobilização popular ou lançar nomes em lista negra e divulgá-la publicamente. O magistrado, ao assumir o cargo, impõe a si uma série de limitações, entre elas o de abster-se da vida política, ainda que pela via oblíqua de sua entidade de classe. Ao juiz, evidentemente, não se nega o exercício dos direitos inerentes à cidadania. Entretanto, a ele não se permite a emissão de juízos extra autos, pela via política da mobilização popular, sobretudo quando evidente o desiderato de interferir na composição dos demais poderes. Ao magistrado - estamos ciosos disso - não compete proceder à seleção dos puros, principalmente quando alicerçada em manifesto juízo discriminatório e arbitrário.



Por tais razões, a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES) torna pública sua discordância e repúdio à linha procedimental adotada pela AMB, a qual, em se persistindo, afora eventual responsabilização civil da entidade, poderá conduzir ao descrédito da magistratura e à ilegitimidade da atuação da Justiça Eleitoral.



Desembargador Elpidio Donizetti


Presidente da ANAMAGES